Câm. Legislativa de PE – Autoria de Francismar Pontes
Longe de ser um problema de saúde de menor importância, a dismenorreia severa configura-se como um relevante problema de saúde pública com profundas e multifacetadas repercussões. As dores intensas e outros sintomas associados como náuseas, vômitos, fadiga e cefaleia, impactam negativamente as esferas social, econômica, educacional e emocional das mulheres e adolescentes, resultando em perdas significativas na funcionalidade diária e no bem-estar geral.
No contexto educacional, a dismenorreia é uma das principais causas de absenteísmo escolar entre adolescentes. Estudos demonstram que a dor incapacitante leva à perda de dias de aula, dificuldade de concentração durante o período menstrual e prejuízo no desempenho acadêmico, podendo, em casos crônicos e severos sem tratamento adequado, contribuir para a evasão escolar. Essa situação compromete o pleno desenvolvimento educacional e as futuras oportunidades dessas jovens.
No âmbito profissional, a dismenorreia severa resulta em absenteísmo laboral e “presenteísmo” (redução da produtividade no trabalho devido à dor), gerando custos econômicos significativos tanto para as trabalhadoras quanto para a sociedade em geral. A dificuldade em manter a rotina profissional devido às cólicas menstruais pode impactar a progressão na carreira e a segurança financeira das mulheres.
Além do sofrimento físico, a dismenorreia severa está frequentemente associada a um aumento nos níveis de ansiedade, depressão, isolamento social e ao agravamento do estigma relacionado à menstruação, o que impõe um fardo psicológico adicional. Historicamente, a saúde menstrual tem sido tratada com negligência nas políticas públicas e na sociedade em geral, permeada por tabus e desinformação. Essa omissão contribui para a perpetuação da desigualdade de gênero, pois a falta de atenção a uma condição que afeta exclusivamente as mulheres limita sua participação plena na vida social, educacional e econômica.
O acesso ao diagnóstico correto e ao tratamento eficaz, que inclui desde manejo da dor com analgésicos e anti-inflamatórios até terapias hormonais e acompanhamento multiprofissional, ainda é um desafio para muitas, especialmente para aquelas que dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS). A dificuldade em obter atendimento especializado, exames diagnósticos quando necessários e acesso contínuo à medicação adequada dentro da rede pública agrava o quadro e perpetua o ciclo de dor e incapacidade.
Nesse cenário, garantir o acesso ao tratamento eficaz para a dismenorreia no Estado de Pernambuco configura-se como uma questão fundamental de saúde pública, equidade e justiça social. A Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 196, estabelece que a saúde é direito de todos e dever do Estado, a ser garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. A dismenorreia incapacitante, por seu impacto direto na saúde e na capacidade funcional, enquadra-se claramente como um agravo à saúde que exige a intervenção estatal para sua adequada atenção e tratamento.
Os princípios e diretrizes do SUS, estabelecidos pela Lei nº 8.080/1990, a Universalidade (acesso à saúde para todos), a Integralidade (compreendendo a assistência como um conjunto contínuo de ações preventivas e curativas, o que inclui, fundamentalmente, a atenção ginecológica) e a Equidade (buscando reduzir desigualdades e garantir que o acesso leve em conta as diferenças nas necessidades), fornecem a base legal e ética inquestionável para a criação de políticas públicas voltadas à saúde menstrual. A atenção à dismenorreia, com diagnóstico e tratamento adequados, é parte intrínseca da atenção integral à saúde da mulher que o SUS se propõe a oferecer. No entanto, a magnitude do problema e as barreiras existentes para o acesso efetivo ao tratamento justificam a necessidade de uma ação mais direcionada e estruturada.
É nesse contexto que se insere o presente Projeto de Lei, que visa instituir o Programa Estadual “Menstruação Sem Dor”. Esta iniciativa busca enfrentar a problemática da dismenorreia de forma estrutural e humanizada no âmbito do SUS em Pernambuco. O Programa proposto materializa os princípios do SUS ao focar especificamente na necessidade de saúde da população feminina afetada pela dismenorreia, garantindo o acesso facilitado ao diagnóstico, tratamento clínico (incluindo a disponibilização prioritária de medicamentos essenciais) e, quando indicado, encaminhamento para outras abordagens terapêuticas, no âmbito da atenção ginecológica integral oferecida pela rede pública de saúde do Estado, em consonância com o disposto na Constituição Estadual (Art. 149).
Adicionalmente, o Artigo 205 da Constituição Federal preconiza a educação como um direito e dever do Estado. O absenteísmo escolar e o prejuízo no desempenho acadêmico causados pela dismenorreia incapacitante impedem o pleno desenvolvimento educacional das estudantes, reforçando a necessidade de o Estado intervir para remover essa barreira ao direito à educação.
Portanto, a criação do Programa Estadual “Menstruação Sem Dor” constitui uma medida essencial e urgente para: garantir o direito fundamental à saúde das mulheres e adolescentes, conforme preceitos constitucionais e do SUS; promover a equidade de gênero ao tratar uma condição de saúde que afeta desproporcionalmente a população feminina; combater o absenteísmo e o baixo desempenho nos âmbitos educacional e profissional; reduzir o sofrimento físico e psicológico; e, em última instância, melhorar significativamente a qualidade de vida de milhares de pernambucanas. O Estado, ao instituir este Programa, cumpre seu dever constitucional e responde a uma importante demanda de saúde pública e justiça social, investindo no bem-estar e no potencial de sua população feminina.
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º Fica instituído, no âmbito do Estado de Pernambuco, o Programa Estadual “Menstruação Sem Dor”, destinado a garantir o acesso gratuito, por meio da Rede Pública de Saúde, a medicamentos e terapias para o tratamento da dismenorreia incapacitante, visando promover a saúde, a dignidade e a qualidade de vida de pessoas que menstruam.
Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se:
I – pessoa que menstrua: indivíduo que, independentemente de identidade de gênero, vivencia o ciclo menstrual e suas manifestações, incluindo a dismenorreia;
II – dismenorreia Incapacitante: dor pélvica ou abdominal intensa, de caráter cólico ou contínuo, que ocorre antes ou durante o período menstrual, com severidade suficiente para impedir ou limitar significativamente a realização das atividades habituais da vida diária, como frequentar a escola, trabalhar, realizar tarefas domésticas ou participar de atividades sociais, e que seja diagnosticada e atestada por meio de laudo médico emitido por profissional legalmente habilitado;
III – tratamento Medicamentoso: fármacos, incluindo analgésicos, anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs), contraceptivos hormonais e outros medicamentos e terapias indicados em protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas baseados em evidências científicas para o controle da dor e/ou regulação do ciclo menstrual associados à dismenorreia, conforme lista a ser definida e periodicamente revisada pela Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE).
Art. 3º São objetivos do Programa “Menstruação Sem Dor”:
I – garantir o acesso universal e integral ao diagnóstico e tratamento adequado para a dismenorreia incapacitante no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) no Estado de Pernambuco;
II – reduzir a evasão escolar, o absenteísmo laboral e o prejuízo na produtividade causados pela dismenorreia incapacitante;
III – aliviar o sofrimento físico e emocional e melhorar a qualidade de vida de pessoas que menstruam e sofrem com dores severas;
IV – promover a informação e a conscientização sobre a dismenorreia, suas causas, consequências e opções de tratamento;
V – contribuir para a equidade em saúde, priorizando o atendimento a populações em situação de vulnerabilidade socioeconômica.
CAPÍTULO II
DAS BENEFICIÁRIAS E DO ACESSO
Art. 4º São beneficiárias do Programa “Menstruação Sem Dor” todas as pessoas que menstruam, residentes no Estado de Pernambuco, que apresentem diagnóstico de dismenorreia incapacitante atestado por laudo médico.
Art. 5º O acesso aos medicamentos e terapias distribuídos pelo Programa ocorrerá por meio da Rede de Atenção à Saúde do SUS no Estado de Pernambuco e fica condicionado à apresentação cumulativa dos seguintes documentos:
I – laudo médico emitido por profissional legalmente habilitado, preferencialmente vinculado ao SUS ou a ele conveniado, que ateste o diagnóstico de dismenorreia incapacitante, com a Classificação Internacional de Doenças (CID) correspondente;
II – prescrição médica válida, especificando o(s) medicamento(s) e/ou terapia(s) necessário(s), sua dosagem, forma de administração e posologia, em conformidade com a lista definida pela SES-PE para o Programa;
III – documento de identificação oficial com foto;
IV – comprovante de residência atualizado no Estado de Pernambuco;
V – cartão Nacional de Saúde (CNS).
§ 1º O laudo médico mencionado no inciso I terá validade inicial de 06 (seis) meses, podendo ser renovado por períodos mais longos, a critério médico e conforme protocolos clínicos da SES-PE, especialmente para casos crônicos e de tratamento contínuo.
§ 2º A prescrição médica mencionada no inciso II deverá ser atualizada conforme a necessidade clínica e a validade legal para aquisição e dispensação de medicamentos, observando-se as normas sanitárias vigentes.
§ 3º A SES-PE deverá estabelecer protocolos simplificados para a renovação do laudo e da prescrição médica sempre que a condição de saúde da beneficiária permitir e em conformidade com as boas práticas clínicas.
CAPÍTULO III
DA IMPLEMENTAÇÃO E DAS DIRETRIZES
Art. 6º A implementação, coordenação, monitoramento e avaliação do Programa “Menstruação Sem Dor” serão definidos e realizados pelo Poder Executivo estadual, por meio dos órgãos e entidades da administração pública com atribuições pertinentes à saúde, educação e desenvolvimento social.
Art. 7º Para a efetivação do Programa “Menstruação Sem Dor”, o Poder Executivo deverá observar as seguintes diretrizes na sua operacionalização:
I – definição e revisão periódica, com base em critérios técnicos e evidências científicas, da lista de medicamentos e terapias que integrarão o Programa;
II – estabelecimento e divulgação dos fluxos e procedimentos operacionais para o cadastro das beneficiárias, a avaliação clínica, a dispensação dos medicamentos e o monitoramento contínuo do Programa;
III – aquisição, armazenamento e distribuição dos medicamentos e insumos necessários para as unidades de saúde responsáveis pela dispensação, garantindo a regularidade do abastecimento;
IV – realização da dispensação dos medicamentos, prioritariamente, por meio da rede de farmácias do SUS no Estado;
V – promoção de ações de informação e conscientização sobre a dismenorreia, seus impactos, a importância do diagnóstico e tratamento e o acesso ao Programa, direcionadas a pessoas que menstruam, familiares, educadores, profissionais de saúde e a sociedade em geral;
VI – monitoramento e avaliação sistemática da execução e dos resultados do Programa, utilizando indicadores claros de impacto e publicando relatórios periódicos de avaliação;
VII – capacitação dos profissionais de saúde da Rede SUS para o correto diagnóstico, manejo e acompanhamento da dismenorreia incapacitante e para a orientação sobre o acesso ao Programa.
CAPÍTULO IV
DO FINANCIAMENTO
Art. 8º As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão à conta de dotações orçamentárias próprias consignadas anualmente no orçamento da Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE), suplementadas se necessário e respeitados os limites e as condições estabelecidas na legislação orçamentária e financeira.
Parágrafo único. O Poder Executivo fica autorizado a buscar e aceitar fontes de financiamento complementares para o Programa, incluindo recursos de transferências federais, emendas parlamentares, convênios, parcerias com a iniciativa privada (respeitados os princípios da administração pública) e recursos provenientes de fundos específicos de saúde.
CAPÍTULO V
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 9º O Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data de sua publicação, definindo os detalhes operacionais, fluxos de atendimento, protocolos clínicos e critérios específicos para a dispensação dos medicamentos e terapias não especificados neste texto, garantindo a efetividade e o controle social do Programa.
Art. 10. Esta Lei entra em vigor após decorridos 90 (noventa) dias de sua publicação.
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