Câm. Legislativa de PE – Autoria de Francismar Pontes
A Central de Abastecimento de Pernambuco (CEASA/PE) é um dos principais polos de comercialização de hortifrutigranjeiros e outros produtos alimentícios do Nordeste. No entanto, como em grandes centros de abastecimento em todo o país, uma quantidade significativa de alimentos, ainda em condições plenas de consumo, acaba sendo descartada diariamente por motivos como aparência fora do padrão comercial, proximidade do vencimento ou excesso de oferta. Este desperdício representa não apenas uma perda econômica, mas, sobretudo, um grave contrassenso social diante do quadro de insegurança alimentar que ainda aflige parcelas consideráveis da população pernambucana.
Paralelamente, diversas casas de apoio, organizações da sociedade civil e associações beneficentes atuam incansavelmente no Estado, prestando assistência a pessoas em situação de vulnerabilidade, incluindo a distribuição de refeições e cestas básicas. Contudo, muitas dessas entidades enfrentam dificuldades para obter alimentos em quantidade e variedade suficientes para atender à crescente demanda.
Este Projeto de Lei busca criar um elo virtuoso entre a oferta de alimentos que seriam desperdiçados na CEASA/PE e a demanda das entidades beneficentes que atuam na linha de frente do combate à fome e da promoção da assistência social. Ao autorizar e regulamentar a doação desses excedentes, garantindo a segurança sanitária e a transparência do processo, o Estado de Pernambuco não só contribui para a redução do desperdício, alinhando-se a metas globais de sustentabilidade, mas principalmente fortalece a rede de proteção social e assegura o direito fundamental à alimentação adequada a quem mais precisa.
A proposição encontra respaldo na Constituição Federal de 1988, que estabelece a dignidade da pessoa humana como fundamento da República (Art. 1º, III), define a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais como objetivos fundamentais (Art. 3º, III) e inclui a alimentação como direito social (Art. 6º). A assistência social, que tem como um de seus objetivos a proteção social aos necessitados (Art. 203, I), também justifica a iniciativa. No âmbito estadual, a lei se alinha aos princípios de promoção do bem-estar social e de garantia dos direitos fundamentais.
É importante salientar que o projeto prevê mecanismos de controle e fiscalização, além da necessidade de regulamentação pelo Poder Executivo, para garantir a segurança alimentar dos beneficiários e a lisura do processo de doação e distribuição. A voluntariedade da doação pelos permissionários e produtores é mantida, respeitando a livre iniciativa, mas criando um marco legal que facilita e incentiva essa prática solidária.
Diante do exposto, e considerando os notórios benefícios sociais, econômicos e ambientais decorrentes da implementação desta política, submetemos o presente Projeto de Lei à apreciação desta Egrégia Assembleia Legislativa, rogando pela sua aprovação.
DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES E PRINCÍPIOS
Art. 1º Fica instituída, no âmbito do Estado de Pernambuco, a política de combate ao desperdício de alimentos e de promoção da segurança alimentar e nutricional, com foco na destinação de excedentes de vegetais, frutas e outros alimentos aptos ao consumo provenientes da Central de Abastecimento de Pernambuco (CEASA/PE) para entidades beneficentes receptoras.
Art. 2º São objetivos desta Lei:
I – reduzir o desperdício de alimentos na cadeia de abastecimento;
II – contribuir para a segurança alimentar e nutricional de populações em situação de vulnerabilidade social;
III – fortalecer a atuação de casas de apoio, organizações da sociedade civil e associações beneficentes que prestam assistência social e nutricional;
IV – promover a conscientização sobre o valor dos alimentos e os impactos do desperdício; e
V – estabelecer mecanismos transparentes e seguros para a doação e recebimento de alimentos.
Art. 3º A execução desta política observará os seguintes princípios:
I – prevalência da segurança alimentar e nutricional;
II – garantia da qualidade sanitária dos alimentos doados;
III – voluntariedade da doação pelos permissionários e produtores da CEASA/PE;
IV – gratuidade da doação e do recebimento dos alimentos;
V – transparência e controle social na gestão do processo de doação e distribuição; e
VI – respeito à dignidade humana e não discriminação dos beneficiários.
CAPÍTULO II
DOS EXCEDENTES DE ALIMENTOS E DAS ENTIDADES RECEPTORAS
Art. 4º Para os efeitos desta Lei, consideram-se excedentes de alimentos os vegetais, frutas e outros produtos alimentícios comercializados ou armazenados na CEASA/PE que, embora próprios para consumo humano e dentro do prazo de validade (se aplicável), não possuam valor comercial ou não sejam mais desejados para venda, por razões estéticas, de proximidade do vencimento, ou outras, e que seriam descartados.
§ 1º Incluem-se no caput deste artigo alimentos in natura, minimamente processados e industrializados, desde que atendam aos requisitos de segurança alimentar e sanitária estabelecidos pelos órgãos competentes.
§ 2º Não serão objeto de doação alimentos estragados, com embalagens violadas (salvo se reembalados conforme normas sanitárias), com prazo de validade expirado ou que apresentem qualquer risco à saúde do consumidor.
Art. 5º São consideradas Entidades Beneficentes Receptoras, para fins desta Lei, as casas de apoio, organizações da sociedade civil e associações beneficentes, legalmente constituídas e em funcionamento no Estado de Pernambuco, que preencham cumulativamente os seguintes requisitos:
I – não possuir fins lucrativos;
II – ter em seus objetivos estatutários a realização de atividades de assistência social, segurança alimentar e nutricional, saúde, educação ou outras finalidades públicas de interesse social;
III – estar regularmente inscrita e com a situação cadastral ativa nos conselhos municipais e/ou estaduais de assistência social e/ou de segurança alimentar e nutricional, quando couber;
IV – possuir infraestrutura mínima adequada para recebimento, armazenamento, conservação e distribuição dos alimentos doados, em conformidade com as normas sanitárias vigentes; e
V – apresentar plano de trabalho que demonstre a capacidade de gerenciar o recebimento e a destinação dos alimentos aos seus beneficiários de forma eficiente e segura.
Art. 6º O credenciamento das Entidades Beneficentes Receptoras será definido e gerido pelo Poder Executivo estadual, por meio dos órgãos e entidades da administração pública com atribuições pertinentes à assistência social e à gestão da CEASA/PE, observando-se os princípios da publicidade, impessoalidade e transparência.
§ 1º As entidades credenciadas deverão manter seus dados atualizados junto aos órgãos gestores e comprovar periodicamente o cumprimento dos requisitos estabelecidos.
§ 2º O descredenciamento da entidade poderá ocorrer em caso de descumprimento dos requisitos, das normas desta Lei ou de seu regulamento, garantido o contraditório e a ampla defesa.
CAPÍTULO III
DO PROCESSO DE DOAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO
Art. 7º O Poder Executivo estadual, por meio dos órgãos e entidades com atribuições pertinentes, deverá implementar um programa para facilitar a identificação, separação e destinação dos excedentes de alimentos pelos permissionários e produtores interessados em doar, no âmbito da CEASA/PE.
§ 1º O programa de que trata o caput poderá incluir a disponibilização de espaços adequados para a triagem e armazenamento temporário dos alimentos a serem doados, bem como a promoção de campanhas de conscientização junto aos permissionários.
§ 2º A participação dos permissionários e produtores na doação de alimentos é de caráter voluntário.
Art. 8º As Entidades Beneficentes Receptoras credenciadas serão responsáveis pela coleta dos alimentos doados nas dependências da CEASA/PE, em dias e horários a serem definidos em conjunto com a administração da CEASA/PE e os doadores, observando as normas de circulação e segurança do local.
§ 1º O transporte dos alimentos coletados até a sede da entidade receptora e/ou locais de distribuição é de inteira responsabilidade da entidade, devendo ser realizado em condições sanitárias e de temperatura adequadas para a conservação dos produtos.
§ 2º O Poder Público Estadual poderá, na medida de suas disponibilidades orçamentárias e logísticas, oferecer suporte pontual à coleta e transporte, prioritariamente para entidades com maior dificuldade operacional, a ser definido em regulamento.
Art. 9º A doação dos alimentos será formalizada mediante termo de doação ou recibo simplificado, a ser padronizado pelos órgãos gestores, contendo a identificação do doador, da entidade receptora, a data e uma estimativa do tipo e quantidade dos alimentos doados.
§ 1º A entidade receptora deverá manter registros detalhados dos alimentos recebidos e de sua destinação final (número de famílias beneficiadas, refeições servidas, etc.), disponibilizando-os para fiscalização pelos órgãos competentes.
§ 2º O Poder Executivo estadual, por meio dos órgãos pertinentes, deverá manter um cadastro atualizado das doações realizadas e recebidas, com divulgação periódica em seus portais de transparência.
CAPÍTULO IV
DA SEGURANÇA ALIMENTAR E SANITÁRIA E DA RESPONSABILIDADE
Art. 10. A responsabilidade pela qualidade e segurança sanitária dos alimentos doados recai:
I – sobre o permissionário ou produtor rural que realiza a doação inicial, caso os alimentos, no momento da doação, não atendam aos requisitos sanitários mínimos e esta condição for de seu conhecimento ou dever de conhecer; e
II – sobre a Entidade Beneficente Receptora, a partir do momento do recebimento dos alimentos, incluindo seu transporte, armazenamento, manipulação, preparo (se for o caso) e distribuição final aos beneficiários, devendo cumprir rigorosamente as normas sanitárias vigentes.
§ 1º A doação realizada de boa-fé, por permissionários ou produtores que observarem as condições mínimas de conservação e validade dos alimentos no momento da entrega à entidade receptora, não implicará responsabilidade civil ou criminal por danos decorrentes do consumo, salvo comprovado dolo ou culpa grave.
§ 2º O Poder Público Estadual, por meio dos órgãos de vigilância sanitária, poderá orientar e fiscalizar as Entidades Beneficentes Receptoras quanto ao cumprimento das normas de segurança alimentar e manipulação de alimentos.
Art. 11. O Poder Executivo, em colaboração com entidades de segurança alimentar e nutricional e vigilância sanitária, poderá oferecer capacitação e orientação para as Entidades Beneficentes Receptoras sobre as melhores práticas de recebimento, armazenamento e distribuição de alimentos.
CAPÍTULO V
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS
Art. 12. O Poder Executivo Estadual, no prazo de 120 (cento e vinte) dias a partir da publicação desta Lei, deverá elaborar o regulamento para sua fiel execução, detalhando, entre outros aspectos:
I – os procedimentos para credenciamento e descredenciamento das Entidades Beneficentes Receptoras;
II – as diretrizes para o programa interno de doação na CEASA/PE;
III – os modelos de termos de doação e recibos;
IV – os mecanismos de fiscalização e controle das doações e da destinação dos alimentos; e
V – as formas de publicidade e transparência das ações do programa.
Art. 13. As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão à conta das dotações orçamentárias próprias consignadas aos órgãos envolvidos na política, suplementadas se necessário.
Art. 14. Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias da data de sua publicação.
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