PL 2893/2025 – Rosa Amorim

Câm. Legislativa de PE – Autoria de Rosa Amorim
Rosa Amorim

O presente Projeto de Lei se insere no escopo de uma transformação política inadiável: reconhecer o cuidado como uma atividade essencial à sustentação da vida, e portanto como responsabilidade compartilhada entre o Estado, o setor privado e a sociedade. A proposta nasce da urgência em construir uma nova cultura institucional e trabalhista, na qual cuidar não seja um fardo individual, mas um direito garantido e valorizado.

Esse projeto é fruto de uma ampla articulação nacional — composta por parlamentares em todas as esferas (municipal, estadual e federal), em diferentes regiões do país — articuladas no movimento Mulheres em Lutas (MEL), que têm construído uma plataforma de enfrentamento à lógica produtivista e patriarcal que historicamente invisibiliza o cuidado e penaliza, sobretudo, as mulheres trabalhadoras que sustentam a vida com pouco ou nenhum apoio. Trata-se de um chamado coletivo a todos e todas que compreendem que uma sociedade justa começa pelo reconhecimento de quem cuida.

Hoje, a legislação federal impõe um limite extremamente restritivo: apenas um dia por ano é permitido, sem prejuízo salarial, para que responsáveis legais levem suas crianças ou adolescentes a uma consulta médica. Não há previsão legal para abonar faltas em casos de internações, tratamentos prolongados ou mesmo para participação em reuniões escolares — momentos fundamentais para o desenvolvimento das novas gerações. O projeto responde diretamente a essa lacuna legal e social, atualizando o arcabouço jurídico à luz da Constituição Federal, que determina como dever da família, da sociedade e do Estado garantir proteção integral à infância e à adolescência (art. 227).

Mas não se trata apenas de um ajuste normativo: este projeto parte de uma realidade concreta e inegável. Segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (2022), o Brasil conta com mais de 11 milhões de mães solo, sendo 90% delas mulheres negras. A maioria vive em domicílios monoparentais e é a única responsável pelo sustento e cuidado de seus filhos. São mulheres que enfrentam jornadas duplas, ausência de rede de apoio e um mundo do trabalho que ainda as trata como “desviantes” quando exercem o direito de cuidar.

A situação se agrava no caso das chamadas maternidades atípicas — mulheres que cuidam de crianças com deficiência ou doenças raras — que enfrentam abandono e sobrecarga emocional, física e financeira. Segundo levantamento da Coalizão Brasileira pela Educação Inclusiva e dados da PNAD Contínua/IBGE (2022), cerca de 70% das cuidadoras de pessoas com deficiência são mulheres, e mais da metade delas não consegue manter vínculos formais de trabalho devido à ausência de políticas de apoio ao cuidado. Cuidar, nesse contexto, é também resistir ao abandono e sobreviver em meio à negligência estrutural. A garantia de ausências abonadas para consultas, internações e reuniões escolares é um passo mínimo, mas poderoso, rumo a uma reparação histórica.

Ao propor ação para os entes públicos e mobilizar a adesão das empresas a terem uma política de abono de faltas para os casos de cuidado, o projeto institui um novo parâmetro de responsabilidade social e compromisso com a equidade de gênero. Mais do que premiar boas práticas, ele transforma a contratação pública em instrumento de indução de políticas justas – colocando o Estado como protagonista na transição para um modelo de sociedade que reconheça o valor do trabalho de cuidado como pilar da economia e da vida.

A proposta também encontra respaldo na Política Nacional de Cuidados (Lei nº 15.069/2024), que determina que União, Estados e Municípios devem promover ações que permitam a compatibilização entre o trabalho remunerado e as responsabilidades familiares de cuidado. O projeto, ao incluir cláusulas nos contratos com a Administração pública e ao exigir a política de abono como critério para participação em licitações e convênios com o poder público, torna efetiva essa diretriz, com foco na corresponsabilidade entre Estado, setor privado e famílias.

Importa lembrar que cuidar é um ato político. Não se trata apenas de uma necessidade privada, mas de um bem público. Valorizar o cuidado é transformar a estrutura do mundo do trabalho e reconhecer que o tempo de cuidar também é tempo produtivo. A vida digna das mulheres – especialmente das mulheres trabalhadoras – depende de uma reorganização radical das prioridades sociais e institucionais. E isso começa por legislar com base na realidade e nas urgências do presente.

O projeto dialoga com outras iniciativas que vêm sendo debatidas nacionalmente, como a proposta de redução da jornada de trabalho para quatro dias semanais e as campanhas pelo fim da escala 6×1, articuladas por movimentos como o Vida Além do Trabalho (VAT). Todas essas frentes convergem para uma ideia comum: um novo pacto social que coloque a vida – e quem a sustenta cotidianamente – no centro.

Por isso, este projeto é mais do que uma proposta legislativa. É um gesto coletivo de reconhecimento e transformação. Um chamado político a todos que acreditam que nenhuma pessoa deve escolher entre cuidar e trabalhar, entre sustentar sua família e acompanhar a vida de quem depende de si. Porque cuidar é um direito. E cuidar de quem cuida é dever de todos nós.

     Art. 1º A  Lei nº 12.525, de 30 de dezembro de 2003, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 5º-F. Os contratos de prestação de serviços continuados firmados pela Administração Pública Municipal ou Estadual deverão conter cláusula que assegure o abono de faltas justificadas aos empregados(as) da contratada para o acompanhamento de: (AC)

I – filhos(as), tutelados(as) ou pessoas sob sua responsabilidade legal em consultas médicas, exames, internações, tratamentos ou demais procedimentos de saúde que exijam sua presença, mediante comprovação documental; e (AC)

II – filhos(as), tutelados(as) ou pessoas sob sua responsabilidade legal em reuniões escolares ou outras atividades relacionadas à vida escolar. (AC)

§ 1º Esta obrigação se aplica a contratos firmados mediante licitação, dispensa ou inexigibilidade de licitação. (AC)

§ 2º O abono das faltas previsto no art. 1º não acarretará prejuízo à remuneração nem à concessão de benefícios como vale-refeição ou vale-alimentação. (AC)

§ 3º Os contratos em vigor na data da publicação desta Lei deverão ser repactuados para inclusão das disposições nela previstas.” (AC)

     Art. 2º A Lei nº 13.462, de 9 de junho de 2008, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 4º-C. Nos processos de licitação e celebração de convênios destinados à contratação de bens e serviços pela Administração Pública Municipal ou Estadual, direta ou indireta, deverá ser exigido, além dos requisitos previstos na legislação aplicável, que as empresas adotarem políticas internas de abono de faltas justificadas de seus empregados e empregadas para o acompanhamento de: (AC)

I – de filhos(as), tutelados(as) ou pessoas sob sua responsabilidade legal em consultas médicas, exames, internações, tratamentos ou demais procedimentos de saúde que requeiram acompanhamento, mediante apresentação de documentação comprobatória; (e AC)

II – de filhos(as), tutelados(as) ou pessoas sob sua responsabilidade legal em reuniões escolares ou outras atividades relacionadas ao acompanhamento da vida escolar.” (AC)

     Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.