Câm. Legislativa de PE – Autoria de João Paulo Costa
Atualmente, o cidadão que tem seu veículo recolhido em decorrência de uma infração de trânsito enfrenta uma verdadeira via-crúcis burocrática para reaver seu bem. A complexidade documental exigida, a limitação dos meios de pagamento e os horários restritos de atendimento dos depósitos configuram, em muitos casos, ofensa aos princípios da razoabilidade, da eficiência, da continuidade do serviço público e da dignidade da pessoa humana.
A imposição de funcionamento limitado, notadamente o encerramento dos atendimentos aos sábados ao meio-dia, desconsidera as reais necessidades da população. Situações como a apreensão de um veículo às 12h01 de um sábado, por exemplo, impedem o proprietário de reaver seu bem até a próxima segunda-feira, gerando não apenas transtornos logísticos, mas também prejuízos econômicos, emocionais e sociais, especialmente àqueles que utilizam seus veículos como instrumento de trabalho.
Além disso, a cobrança de diárias em períodos em que o depósito se encontra fechado ou sem capacidade operacional para efetuar a liberação do veículo representa verdadeiro enriquecimento sem causa por parte da Administração Pública ou do depositário fiel, o que é vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro (art. 884 do Código Civil). É preciso observar que o serviço público, ainda que concedido, deve se pautar pela legalidade, proporcionalidade e razoabilidade, sem qualquer caráter punitivo ou arrecadatório desproporcional.
A jurisprudência dos tribunais tem sido firme no sentido de considerar abusiva a cobrança de taxas ou diárias de pátio em dias nos quais não há expediente para liberação do veículo, entendendo que o contribuinte não pode ser penalizado por uma limitação imposta pela própria Administração. Isso reforça a necessidade de estabelecer, em âmbito estadual, critérios objetivos e horários mínimos de funcionamento dos depósitos de veículos.
Sob o ponto de vista do consumidor, as práticas atuais ofendem o art. 6º, incisos III, IV e VI, da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), que garantem a informação adequada, a proteção contra métodos abusivos e o acesso facilitado à reparação de danos. Tais princípios são integralmente incorporados ao ordenamento pernambucano por meio do Código Estadual de Defesa do Consumidor (Lei nº 16.559/2019), que em seu art. 5°.
Outro ponto fundamental abordado neste projeto é a necessidade de modernização dos meios de pagamento e de desburocratização da liberação do veículo. Não há justificativa razoável para a permanência da exigência de documentos autenticados em cartório ou para a exclusividade de atendimento presencial em tempos nos quais o sistema bancário e a Administração Pública já operam majoritariamente de forma digital.
A exigência de reconhecimento de firma, cópias autenticadas e apresentação de documentos em via original representa um ônus excessivo e ultrapassado, que não encontra respaldo legal quando não há previsão expressa em lei federal. A própria Lei de Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019) estimula a desburocratização e o uso da fé pública do cidadão como regra, invertendo a lógica de desconfiança que ainda impera em muitos procedimentos administrativos.
Ademais, a modernização dos depósitos de veículos com sistemas informatizados de pagamento instantâneo, como o PIX, e a baixa automática das taxas quitadas, representa um avanço necessário para garantir a celeridade processual e a efetiva prestação de serviços públicos com eficiência, conforme o art. 37, caput, da Constituição Federal. A digitalização e o cruzamento automatizado de dados são ferramentas amplamente disponíveis que podem e devem ser incorporadas à rotina administrativa.
Por fim, a proposta visa harmonizar os interesses legítimos da Administração Pública no exercício de seu poder de polícia com os direitos fundamentais dos cidadãos, especialmente no que diz respeito à proteção da propriedade, ao livre exercício da atividade econômica, à eficiência do serviço público e ao respeito à dignidade humana. O recolhimento de veículos deve se restringir a uma medida excepcional de fiscalização, jamais se converter em obstáculo desproporcional ao exercício da cidadania.
Dessa forma, o presente Projeto de Lei visa suprir uma lacuna regulatória, estabelecendo critérios mínimos de funcionamento dos depósitos de veículos recolhidos em Pernambuco, evitando abusos, garantindo maior previsibilidade, e assegurando ao cidadão o respeito aos seus direitos enquanto contribuinte e consumidor. Trata-se de uma medida simples, eficaz e necessária, que certamente encontrará respaldo tanto jurídico quanto social para sua aprovação nesta Casa Legislativa.
Art. 2º Os depósitos de veículos removidos/recolhidos que estão situados em Pernambuco, deverão funcionar ininterruptamente de segunda a domingo, respeitado, no mínimo, o horário de atendimento das 08h00 (oito horas) às 17h00 (dezessete horas).
§ 1º O não funcionamento do depósito, seja por qual motivo for, implicará na suspensão da contagem de diárias e demais taxas incidentes sobre o veículo recolhido.
§ 2º Considera-se “não funcionamento” para os efeitos desta Lei qualquer indisponibilidade de atendimento ao público, seja por fechamento, paralisação, greve, recessos ou falhas operacionais.
Art. 3º Fica assegurado ao contribuinte o direito de quitar as taxas e valores decorrentes do recolhimento de seu veículo por meio de:
I – transferência via PIX, com compensação instantânea;
II – cartão de débito ou crédito;
III – outros meios eletrônicos de pagamento disponíveis, que permitam a baixa automática e imediata no sistema do órgão responsável.
§ 1º Uma vez identificado o pagamento, o sistema deverá permitir a liberação imediata do veículo, sem necessidade de nova validação presencial, quando não houver pendências adicionais.
§ 2º Os depósitos deverão contar com sistema de consulta online e atendimento telefônico ou virtual para fornecimento de informações sobre valores devidos, orientações e documentação exigida para retirada do veículo.
Art. 4º Fica vedada a exigência de apresentação de documentos autenticados para fins de liberação de veículos recolhidos por infração de trânsito, salvo nos casos expressamente previstos em Lei-Federal.
§ 1º Para fins de comprovação de identidade e propriedade ou posse do veículo como o Certificado de Registro e Licenciamento Veicular (CRLV), será suficiente a apresentação de:
I – documento oficial de identificação com foto e número de Cadastro de Pessoas Físicas – CPF, em original acompanhado de cópia simples; e
II – no caso de pessoa jurídica, Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ e cópia simples do contrato social ou estatuto, acompanhada de ata de nomeação da diretoria, se for o caso.
§ 2º Quando a liberação for realizada por terceiro, será exigida apenas procuração particular com firma reconhecida em cartório, acompanhada de cópia simples do documento de identificação do outorgado.
§ 3º Fica igualmente vedada a exigência de ofícios, atestados, ou protocolos administrativos que não estejam previstos expressamente em norma legal ou regulamentar vigente, devendo o órgão ou entidade responsável dispor de canal de orientação clara sobre os documentos necessários em cada caso, com acesso público e gratuito.
§ 4º Nos casos de veículos de propriedade de pessoa falecida, deverá ser apresentada cópia da certidão de óbito e documento que comprove a legitimidade do requerente (inventariante, herdeiro ou procurador), sem necessidade de autenticação, ressalvado o direito de conferência por parte da autoridade competente.
§ 5º A liberação do veículo deverá ocorrer até às 12h (doze horas) do dia seguinte à apresentação da documentação exigida, sob pena de responsabilização administrativa e aplicação das sanções previstas no Código Estadual de Defesa do Consumidor.
§ 6º O disposto neste artigo não impede o órgão responsável de solicitar, em caso de dúvida fundada, a apresentação do documento original para conferência, devendo esta ser feita no momento do atendimento, sem ônus para o consumidor.
Art. 5° O descumprimento das disposições desta Lei sujeitará ao infrator à penalidade de multa prevista no art. 180, nas Faixas Pecuniárias B, C ou D, da Lei n° 16.559, de 15 de janeiro de 2019, sem prejuízo da aplicação cumulativa de outras sanções, inclusive de ordem material pela retenção ilegal do veículo, após a quitação.
Art. 6º Esta Lei entra em vigor 30 (trinta) dias após sua publicação.
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